Apesar do seu caráter religioso, essa festa, como tantas outras que ocorrem no Brasil, permeia a vida, estando integrada no conjunto das atividades sociais. Desse ponto de vista, celebra o trabalho dos pescadores e comemora a produção pesqueira passada e futura a fim de garantir a oferta e abundância da pesca, enquanto alimento para o corpo de homens e mulheres.
As oferendas
As oferendas e agrados destinados a Iemanjá no dia 2 de fevereiro, reportam ao legado da diáspora africana onde, no contexto de um sistema de referências cosmológicas, pontua Montes (1997), "objeto criado tem função e finalidade com relação ao sagrado". Nessa festa, todos presenteiam a dona do mar para receber e retribuir as graças recebidas. Quais seriam essas graças? Enquanto festa do trabalho, tema ainda pouco explorado pelos cientistas sociais no Brasil, os pescadores, esperam pesca abundante, mar calmo e tempo bom.
As oferendas são individuais ou coletivas. No entanto, expressam tudo que é de vaidade: perfumes, sabonetes, pulseiras, colares, brincos, batom, pentes, talco, flores coloridas ou brancas como as angélicas, bonecas etc , conta um dos membros da comissão da festa. Elas compreendem,desde alegorias de tamanhos variados que podem aparecer em carroças, ou em carrinhos de mão, até afoxés que surgem em cortejo no meio das filas de fiéis; grupos de capoeira, de teatro, blocos carnavalescos como a banda Didá, formada por mulheres nos moldes do Olodum do qual participam somente homens.
No decorrer do dia, o culto a Iemanjá desenrola-se, na praia do Rio Vermelho onde se localiza a sede da Colônia de Pescadores e a morada, em terra firme, de Iemanjá . Nesse local, os rituais da festa são mais visíveis. Ao cair da tarde, ele se transfere para beira-mar e depois para alto-mar. Neste último local, apenas alguns convidados e iniciados acompanham os rituais.
Dezenas de embarcações, vindas de vários pontos da Baia de Todos os Santos, aportam nessa praia do Rio Vermelho. Alguns barcos, escunas e saveiros parecem recém pintados, como se tivessem recebido roupas novas para ir à festa. Mas todos estão enfeitados com muitas fitas, guirlandas e bandeirolas bem coloridas.
Paz e saúde
Os devotos pedem paz e saúde porque dinheiro vem depois , se a cabeça não estiver ruim, explica um eles. Seguindo as regras da reciprocidade, todos esperam corresponder às vontades e gostos de Iemanjá para que as oferendas sejam aceitas. E, por isso, confessa outro: se ela aceita os presentes, é pra gente ter paz e saúde. E a gente espera isso! .
Nas ruas e praças públicas que se localizam, no entorno do entreposto de pesca e da morada de Iemanjá , são montadas muitas barracas, formando o cenário da Festa de Largo, aspecto profano do rito religioso. Nessas barracas, acontecem encontros, conversas, paqueras cruzados aos comensais típicos da cozinha baiana e regados por cerveja bem gelada. As músicas nos aparelhos de som incitam a dança, principalmente, ao som estridente dos trios elétricos . Dançarinos surgem e casais se formam nos bailes ao ar livre que seguem noite adentro, saudando Iemanjá.
A festa de Iemanjá é, nos dias atuais, tão expressiva quanto a da lavagem do Bonfim cuja devoção ao Senhor do Bonfim é bastante difundida, na Bahia, desde o século XIX.xxii Alguns estudos consideram a festa de Lavagem do Bonfim e a de Iemanjá , na sua dimensão profana, enquanto Festa de Largo, um preâmbulo dos festejos carnavalescos. Nessas manifestações, os trios elétricos animam, à noite, com sua música, as ruas e barracas instaladas nos arredores dos lugares onde aconteceram, no decorrer do dia, os rituais estritamente religiosos.
Miscigenação
Iemanjá, a Rainha do Mar e Mãe de quase todos os Orixás, é uma Deusa abrasileirada, sendo resultado da miscigenação de elementos europeus, ameríndios e africanos. É um mito de poder aglutinador, reforçado pelos cultos de que é objeto no candomblé, principalmente na Bahia. É também considerada a Rainha das Bruxas e de tudo que vem do mar, assim como é protetora dos pescadores e marinheiros. Governa os poderes de regeneração e pode ser comparada à Deusa Ísis.
Os grandes seios ostentados por Iemanjá , deve-se à sua origem pela linha africana, aliás, ela já chegou ao Brasil como resultado da fusão de Kianda angolense (Deusa do Mar) e Iemanjá (Deusa dos Rios). Os cabelos longos e lisos prendem-se à sua linhagem ameríndia e é em homenagem à Iara dos tupis.
De acordo com cada região que a cultua recebe diversos nomes: Sereia do Mar, Princesa do Mar, Rainha do Mar, Inaê, Mucunã, Janaína. Sua identificação na liturgia católica é: Nossa Senhora de Candeias, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Piedade e Virgem Maria.
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