O futebol, por volta da segunda metade do século XX, deixou de freqüentar a pauta de interesse acadêmico ou, pelo menos, teve drasticamente diminuído as pesquisas e a divulgação do trabalho intelectual sobre a temática. À exceção mais notória de um punhado de cronistas esportivos - dos quais o maior exemplo talvez tenha sido Nelson Rodrigues - poucos se dignaram a olhar o jogo de bola com uma perspectiva investigativa mais profunda.
A fase de crescimento da crônica se relaciona com o aumento dos interessados em esporte, e isso, conseqüentemente, se deve ao desenvolvimento do esporte. O futebol, que aos poucos caía no gosto popular e passava a movimentar os populares, deixando o turfe e as regatas em segundo plano, formou cronistas e público. Em 1900, Olavo Bilac já escrevia crônicas descrevendo o cotidiano da cidade; em 1878, Machado de Assis já discorria sobre turfe; em 1884, havia crônica sobre regatas.
Assim, o cotidiano metropolitano ganhava mais um acontecimento a ser contado: o esporte. Com seu desenvolvimento, ganhava cada vez mais espaço e se inseria no cotidiano da cidade e no gosto popular. Aqueles que escreviam sobre o dia-a-dia da cidade passaram a observar essa nova realidade. As crônicas sobre o esporte e, sobretudo o futebol ganhavam a alcunha de crônica esportiva, [...] num exemplo da relação que se aprofundava entre a linguagem jornalística e a crônica, que vai passo a passo se constituindo num gênero-síntese (LUCENA, 2003, 167). É o que argumenta Marques.
Sobre o Cronista
O cronista faz uso de citações de personalidades e fatos históricos. Inserido em um contexto que possibilita o uso do recurso "ficção", busca soluções criativas na sua imaginação, sem comunicar agressividade.
Usa de uma densidade característica, pois é essa densidade a linha tênue entre crônica e conto. No conto o autor mergulha no universo do personagem, do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato exemplar , o cronista age de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície de seus próprios comentários.
É importante que o cronista não ultrapasse a fronteira existente entre crônica e conto, sendo a poesia uma das mediadoras dessa passagem: Não estranha, por isso, que a poesia seja uma de suas fronteiras, limite do espaço em que se movimenta livremente; e o conto, a fronteira de um território que não lhe pertence.
Ludicamente o cronista percorre a cidade. Ouve conversas, recolhe frases interessantes, observa as pessoas, registra situações através do olhar de quem brinca e, pelo jogo da brincadeira, reúne forças para superar a realidade sufocante. É nesse contexto que o fato em si ganha mais importância do que os personagens.
A impessoalidade é não só desconhecida como rejeitada pelos cronistas: é a sua visão das coisas que lhes importa e ao leitor; a veracidade positiva dos acontecimentos cede lugar à veracidade emotiva com que os cronistas divisam o mundo.
Além das características lingüísticas, impessoalidade é fudamental para a construção da crônica, exatamente para mostrar a opinião do escritor para que o texto seja formado. Tostão nos serve como exemplo para que tratemos de impessoalidade. As concepções táticas e suas evoluções, seleção brasileira, jogadores e conceitos técnicos das posições têm em suas crônicas as experiências pessoais como filtro para a produção do texto. Exatamente este "filtro" suas experiências pessoais direciona a escrita do cronista e o estilo do seu texto, demonstrando claramente a força opinativa da crônica.
Essa "veracidade emotiva" deve ser avaliada pelo cronista para que não tenha como produto final um conto, e a presença de sua opinião no que escreve o diferencia de um escritor de colunas. Somadas às temáticas já citadas, formação de talento e as "escolas" de futebol no Brasil constituem aproximadamente 32% dos assuntos tratados por ele, de 1997 a 2005. A opinião presente nos textos é clara e consistente: trata dos assuntos com a sua experiência de maior jogador mineiro da década de 1960 e com a passagem na seleção brasileira, conquistando o tricampeonato mundial em 1970; após abandonar precocemente o futebol se tornou médico, professor universitário e se afastou do futebol para retornar a esse esporte na condição de cronista esportivo.
O "filtro" que move a sua escrita ainda se constitui de 20 anos afastado do futebol, o esporte que o projetou para o mundo, as críticas por essa postura e sua estréia no mundo jornalístico. Sua escrita técnica, direta e, sobretudo, honesta, é resultado da sua vasta experiência pessoal e profissional que o aproxima da crônica jornalística e o afasta da crônica poética.
Cronista esportivo
Dentro do grupo dos cronistas poéticos, estão, além de Armando Nogueira, o carioca Mario Filho e seu irmão Nelson Rodrigues. O futebol, para esses cronistas, é motivo de poesia, por essa razão eles muitas vezes deslizam seus comentários do campo técnico e tático do futebol para pensar a natureza humana a partir daí. A crônica possibilita ao autor abordar diversos assuntos num mesmo texto que lhe permitam, ao final, amarrar as matérias que escolheu. Bender e Laurito (1993, p. 50) relacionam essa gênese da crônica jornalismo e literatura como uma dificuldade de definir o gênero: Até onde vai o jornalista e termina o escritor? , perguntam.
Por todas as características que permitem uma crônica ser uma crônica, emendam: Logo não vamos esperar que a Academia Brasileira de Letras decida conceituar nossa crônica. É crônica e só. Todos sabem do que estamos falando (p. 44). Esse apelo expressa, entre outras fatos, a simplicidade da crônica e o sentimento de posse do gênero. A fala de discordância por uma definição da crônica demonstra um gênero popular lutando contra uma possível dominação de instâncias superiores.
A liberdade de escrita na construção da crônica é tão grande que também a falta de assunto pode levar à transformação do autor em personagem, atitude chamada de persona literária (POLETTO, 2003). Assim, experiências pessoais se transformam em mote para que uma crônica tenha início: "[...] há a importância dos estereótipos ou esquemas culturais na estruturação e na interpretação do mundo".
Finalmente, como se pode perceber, o entendimento da crônica não se mostra tão simples. A crônica se torna um gênero ambíguo em sua criação, transitando entre o literário e o jornalístico, o que influencia diretamente sua escrita e permite ao cronista opções únicas de construção de texto. Fatores como linguagem, ora poética ora coloquial, fatos reais sendo ficcionados e outras crônicas podendo ser usadas como fonte, construídas no ou para o jornal, transformando-se em temporal ou atemporal, constituem a riqueza da crônica, ampliando as possibilidades de compreensão e construção.
A partir disso, pode-se pensar o uso errado do termo cronista para definir aquele que escreve sobre o cotidiano e que adiciona ao texto sua opinião, o que poderia caracterizar uma coluna. Por outro lado, o uso demasiado poético na construção da crônica poderia transformá-la em um conto. Porém, a origem da crônica e a liberdade de escrita presente nesse gênero permitem que tenhamos esse contexto quando procuramos definir os limites de sua construção. O esporte, sobretudo o futebol, trouxe uma nova forma de escrita, novos conceitos de construção da crônica no Brasil, massificou o gênero entre os populares e incentivou a profissionalização dos profissionais envolvidos no jornalismo esportivo.
Considerando a existência de dois estilos de se fazer crônica esportiva no Brasil, a forma noticiosa, mais crítica do cotidiano, de análise do esporte, do jogo, é mais freqüente nos jornais, escrita para os jornais. A crônica esportiva, com tom mais poético, menos realista, com personagens, é uma vertente também utilizada no Brasil, porém o estilo mais utilizado pela crônica esportiva nacional é o informativo, noticioso.
Dessa forma, consideramos que o fato de a crônica esportiva no Brasil se fazer mais jornalística que poética se dá pela da interpretação condicionada pelas experiências do narrador, influenciada pelas estruturas lingüísticas utilizadas que foram incorporadas e desenvolvidas durante o processo de construção da crônica esportiva. Essa característica pessoal influencia sobremaneira a construção opinativa presente na crônica brasileira, caracterizando-a e diferenciando-a de outras formas de escrita.
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