A morte de Alexandre (323 a.C.) acelerou esse processo de decadência. O menino-imperador, ainda que continuasse bárbaro depois de toda educação recebida de Aristóteles, havia aprendido a reverenciar a rica cultura da Grécia e sonhara em divulgar essa cultura pelo Oriente, na onda de seus exércitos vitoriosos. O desenvolvimento do comércio grego e a multiplicação dos postos de comercialização gregos por toda a Ásia Menor haviam proporcionado uma base econômica para a unificação daquela região como parte de um império helênico; e Alexandre tinha a esperança de que, a partir daqueles movimentados postos, tanto o pensamento grego como os produtos gregos fossem irradiar-se e conquistar o mundo. Mas ele subestimara a inércia e a resistência da mentalidade oriental, e a massa e a profundidade da cultura oriental. Não passava de um sonho juvenil, afinal, supor que uma civilização tão imatura e instável quanto a da Grécia pudesse ser imposta a uma civilização incomensuravelmente mais dufundida e enraizada nas mais veneráveis tradições. A quantidade da Ásia mostrou-se demasiada para a qualidade da Grécia. O próprio Alexandre, na hora de seu triunfo, foi conquistado pela alma do Oriente; casou-se (dentre várias damas) com a filha de Dario; adotou o diadema e o manto de gala persas; introduziu na Europa a idéia oriental do divino direito dos reis; e por fim assombrou uma Grécia cética ao anunciar, num magnífico estilo oriental, que ele era um deus. A Grécia caiu na gargalhada; e Alexandre bebeu até morrer.
Essa sutil infusão de uma alma asiática no corpo fatigado do senhor dos gregos foi seguida rapidamente da abundante entrada de cultos e fés orientais na Grécia, pelas mesmas linhas de comunicação que o jovem conquistador havia aberto; os diques rompidos deixaram o oceano do pensamento ocidental inundar as terras baixas da ainda adolescente mente européia. As crenças místicas e supersticiosas que haviam adquirido raízes entre os povos mais pobres de Hélade foram reforçadas e divulgadas; e o espírito oriental de apatia e resignação encontrou um solo pronto na Grécia decadente e abatida. A introdução da filosofia estóica em Atenas, pelo mercador fenício Zenon (cerca de 310 a.C.), foi apenas uma das inúmeras infiltrações orientais. Tanto o estoicismo como o epicurismo - a apática aceitação da derrota e o esforço para esquecer a derrota nos braços do prazer - eram teorias sobre como o indivíduo ainda poderia ser feliz, embora subjugado ou escravizado; precisamente como o pessimista estoicismo oriental de Schopenhauer e o desalentado epicurismo de Renan foram, no século XIX, os símbolos de uma Revolução despedaçada e uma França quebrada.
Não que essas antíteses naturais da teoria ética fossem de todo novas para a Grécia. Nós a encontramos no sombrio Heráclito e no "filósofo que ri", Demócrito; e vemos os discípulos de Sócrates dividindo-se em cínicos e cirenaicos sob a chefia de Antístenes e Aristipo e exaltando, uma escola, a apatia, e a outra, a felicidade. No entanto, mesmo naquela época tratava-se de modos quase exóticos de pensamento: a Atenas imperial não aderiu a eles. Mas quando a Grécia havia visto Queronéia em sangue e Tebas em cinzas, passou a ouvir Diógenes; e quando a glória havia partido de Atenas, ela estava no ponto para Zenon e Epicuro.
Zenon ergueu sua filosofia da apatheia sobre um determinismo que um estóico posterior, Crisipo, achou difícil distinguir do fatalismo oriental. Quando Zenon, que não acreditava na escravidão, estava batendo num escravo seu por causa de algum delito, o escravo alegou como atenuante que, segundo a filosofia de seu senhor, ele tinha sido destinado, por toda a aternidade, a cometer aquela falta; ao que Zenon replicou, com a calma de um sábio, que, de acordo com a mesma filosofia, ele, Zenon, tinha sido destinado a bater nele por causa dela. Assim como Schopenhauer achava inútil a vontade individual lutar contra a vontade universal, os estóicos alegavam que a indiferença filosófica era a única atitude razoável para com uma vida na qual a luta pela existência está tão injustamente condenada a uma derrota inevitável. Se a vitória for inteiramente impossível, deve ser desdenhada. O segredo da paz não é tornar nossas realizações iguais aos nossos desejos, mas baixar nossos desejos ao nível de nossas realizações. "Se o que você possui lhe parece insuficiente, então, mesmo que você possua o mundo, ainda irá sentir-se infeliz", disse o estóico romano Sêneca (m. 65 d.C.).
Um princípio desses bradava aos céus pelo seu oposto, e Epicuro, embora tão estóico em vida quanto Zenon, forneceu-o. Epicuro, diz Fenelon, "comprou um belo jardim, que ele mesmo cultivava. Foi lá que instalou sua escola, e ali vivia uma vida tranqüila e agradável com seus discípulos, aos quais ensinava enquanto andava e trabalhava.(...) Era delicado e afável para com todos os homens... Afirmava que nada havia de mais nobre do que uma pessoa dedicar-se à filosofia". Seu ponto de partida é uma convicção de que a apatia é impossível, e que o prazer - embora não necessariamente o prazer sensual - é a única finalidade concebível, e perfeitamente legítima, da vida e da atividade. "A natureza faz com que cada organismo prefira o seu próprio bem a qualquer outro"; até mesmo o estóico sente um prazer sutil na renúncia. "Não devemos evitar os prazeres, mas selecioná-los." Epicuro, então, não é epicurista; ele exalta os prazeres do intelecto, mais do que os dos sentidos; previne contra os prazeres que excitem e disturbem a alma, à qual, ao contrário, deveriam acalmar e tranqülizar. No fim, propõe que se procure não o prazer no seu sentido usual, mas a ataraxia - tranqülidade, equanimidade, a paz do espírito; todos os quais oscilam à beira da "apatia" de Zenon.
Os romanos, quando foram saquear Heléia em 146 a.C., encontraram essas escolas rivais dividindo o campo filosófico; e, sem terem tempo nem sutileza para especulações, levaram de volta para Roma essas filosofias, juntamente com outros produtos do seu saque. Os grandes organizadores, tanto quanto os escravos inevitáveis, tendem a estados de espírito estóicos: é difícil ser senhor ou servo se a pessoa for sensível. Por isso, a filosofia que Roma adotava era, em sua maioria, da escola de Zenon, seja em Marco Aurélio, o imperador, ou em Epíteto, o escravo; e até Lucrécio difundia estoicamente o epicurismo (como o inglês de Heine, divertindo-se melancolicamente), e concluiu sua vigorosa pregação do prazer cometendo suicídio. Sua nobre epopéia, Sobre a Natureza das Coisas, acompanha Epicuro em condenar o prazer ao elogiá-lo sem entusiasmo. Quase contemporâneo de César e Pompéia, ele viveu em meio a torverlinhos e alarmes; sua pena nervosa está eternamente compondo orações à tranqülidade e à paz. Nós o imaginamos como uma alma tímida cuja juventude havia sido obscurecida por temores religiosos; porque ele nunca se cansa de dizer a seus leitores que não existe inferno, exceto aqui, e que não existem deuses, exceto deuses cavalheirescos, que vivem em um jardim de Epicuro nas nuvens e nunca se intrometem nos negócios dos homens. Ao crescente culto do céu e do inferno entre o povo de Roma, ele opõe um materialismo implacável. Alma e mente desenvolvem-se com o corpo, cresem com o seu crescimento, sofrem com seus sofrimentos, e morrem com a sua morte. Nada existe a não ser átomos, espaço e lei, e a lei das leis é a da evolução e da dissolução em toda parte
Coisa alguma perdura, mas todas as coisas fluem.
Fragmento se agarra a fragmento; as coisas crescem assim,
Até que ficamos conhecendo-as e lhes damos nomes. Aos poucos
Elas se dissolvem e já não são mais as coisas que conhecemos.
Englobados por átomos, caindo devagar ou depressa,
Vejo os sóis, vejo os sistemas erguerem
Suas formas; e até os sistemas e seus sóis
Irão voltar lentamente à eterna deriva.
Tu também, ó Terra - teus impérios, terras e mares -
A menor, com tuas estrelas, de todas as galáxias,
Englobada da deriva como aquelas, como aquelas também tu
Irás. Estás indo, a cada hora, como aquelas.
Nada perdura. Teus mares, em suave neblina,
Desaparecem; aquelas areias lunares abandonam seu lugar,
E onde estão, outros mares irão, por sua vez,
Cortar com suas alvas foices outras baías.
À evolução e à dissolução astronômicas, acrescentem a origem e a eliminação das espécies.
Muitos monstros também a Terra de antigamente tentou produzir, coisas de estranhas caras e membros; (...) alguns sem pés, alguns sem mãos, outros sem bocas, outros mais sem olhos. (...) Mais e mais monstros (...) desse tipo a Terra tentou produzir, mas em vão; porque a natureza proibiu o aumento do número deles, eles não podiam alcançar a cobiçada flor da idade, nem procurar comida, nem ser unidos em casamento; (...) e muitas raças de coisas vivas devem ter se extinguido, ficado impossibilitadas de procriar e continuar e continuar a linhagem. Porque no caso de todas as coisas que vós vedes respirando o sopro da vida, a astúcia, a coragem ou a velocidade vêm desde o início protegendo e preservando cada raça. (...) Aqueles aos quais a natureza não concedeu nenhuma dessas qualidades ficavam expostos para servirem de vítima e presa de outros, até que a natureza extinguisse a sua espécia.
Também as nações, como os indivíduos, crescem lentamente e, com toda certeza, morrem: "algumas nações prosperam, outras decaem, e em pouco tempo as raças das coisas vivas são alteradas e, como corredores, passam adiante a lâmpada da vida". Diante da guerra e da morte inevitável, não há sabedoria a não ser a ataraxia - "encarar todas as coisas com serenidade de espírito". Aqui, evidentemente, toda a velha alegria pagã de viver desapareceu, e um espírito quase exótico toca uma lira quebrada. A história, que nada é a não ser humorista, nunca foi tão brincalhona como quando deu a esse abstêmio e épico pessimista o nome de epicurista.
E se for esse o espírito do adepto de Epicuro, imaginem o inebriante otimismo de estóicos declarados como Aurélio ou Epíteto. Nada, em toda a literatura, é tão deprimente quanto as Dissertações do escravo, a menos que se trate das Meditações do imperador. "Não procure fazer com que as coisas aconteçam segundo a sua preferência, mas prefira que elas aconteçam como têm de acontecer, e assim viverá com prosperidade." Não há dúvida de que é possível assim, ditar o futuro e fingir que dominamos o universo. Segundo consta o senhor de Epíteto, que o tratava com uma crueldade inalterável, certo dia decidiu torcer-lhe a perna para passar o tempo. "Se continuar", disse Epíteto com calma, "vai quebrar a minha perna." O senhor continuou, e a perna se quebrou. "Eu não lhe disse", observou Epíteto mansamente, "que o senhor iria quebrar minha perna?" No entanto, há uma certa nobilidade mística nessa filosofia, como na tranqülia coragem de um pacifista dostoievskiano. "Nunca diga, de qualquer modo, 'perdi isso assim, assim'; e sim, 'eu restituí tal coisa'. Tua filha morreu? Foi restituída. Tua mulher morreu? Foi restituída. Perdeste os teus bens? Também não foram restituídos?". Em trechos assim, sentimos a proximidade do cristianismo e seus intrépidos mártires; de fato, não eram a ética cristã da abnegação, o ideal político cristão de uma fraternidade quase comunista do homem, e a escatologia cristã da conflagração final do mundo inteiro, fragmentos da doutrina estóica flutuando na corrente do pensamento? Em Epíteto, a alma greco-romana perdeu o seu paganismo e está pronta para uma nova fé. Seu livro teve a distinção de ser adotado como manual religioso pela primitiva Igrja Cristã. Dessas Dissertações e das Meditações de Aurélio há apenas um passo para A Imitação de Cristo.
Enquanto isso, o ambiente histórico derretia-se para formar cenas mais novas. Há um notável trecho em Lucrécio que descreve a decadência da agricultura no Estado romano e a atribui à exaustão do solo. Seja qual for a causa, a riqueza de Roma transformou-se em pobreza, a organização em desintegração, o poder e o orgulho em decadência e apatia. Cidades voltaram a fundir-se com o interior sem distinção; as estradas ficaram sem manutenção e já não ecoavam a agitação do comércio; as pequenas famílias dos romanos de instrução eram ultrapassadas, em número, pelos vigorosos alemães sem instrução que cruzavam, ano após ano, a fronteira; a cultura pagã cedeu aos cultos orientais; e, quase que imperceptivelmente, o império se transformou em papado.
A Igreja, apoiada nos primeiros séculos pelos imperadores cujos poderes ela absorveu aos poucos, teve um aumento rápido no número de adeptos, na riqueza e no raio de influência. No século XIII, já possuía um terço do solo da Europa, e seus cofres estavam inchados com donativos de ricos e pobres. Durante mil anos, ela uniu, com a magia de uma crença invariável, a maior parte dos povos de um continente; nunca houve, antes ou depois, uma organização tão difundida e tão pacífica. Mas essa unidade exigia, como pensava a Igreja, uma fé comum exaltada por sanções sobrenaturais acima das mudanças e das corrosões do tempo; portanto, o dogma, definitivo e definido, foi colocado como uma concha sobre a mentalidade adolescente da Europa medieval. Era dentro dessa concha que a filosofia escolástica se deslocava acanhadamente entre fé e razão e vice-versa, num desconcertante circuito de pressupostos não criticados e conclusões pré-ordenadas. No século XIII, toda a cristandade ficou assustada e estimulada por traduções árabes e judaicas de Aristóteles; mas o poder da Igreja ainda era suficiente para garantir, através de Tomás de Aquino e outros, a transformação de Aristóteles em um teólogo medieval. O resultado foi a sutileza, mas não a sabedoria. "A inteligência e a mentalidade do homem", como disse Bacon, "se trabalharem com a matéria, trabalham segundo a substância desta e por ela ficarão limitados; mas se trabalharem consigo mesmo, serão intermináveis e produzirão realmente teias de saber, admiráveis pela delicadeza do fio e do trabalho, mas sem substância ou proveito." Mais cedo ou mais tarde, o intelecto da Europa iria irromper de dentro dessa concha.
Depois de mil anos de cultivo, o solo voltou a florescer; os bens se multiplicaram, criando excedentes que levaram ao comércio; e o comércio em suas encruzilhadas voltou a construir grandes cidades nas quais os homens podiam cooperar para estimular a cultura e reconstruir a civilização. As Cruzadas abriram os caminhos para o Oriente e permitiram a entrada de uma torrente de artigos de luxo e heresias que condenaram à morte e ascetismo e o dogma. O papel, agora, chegava barato do Egito, substituindo o caro pergaminho que tornara o saber um monopólio dos sacerdotes; a imprensa, que durante muito tempo esperava por um meio barato, estourou como um explosivo libertado e espalhou sua influência destruidora e esclarecedora por toda parte. Bravos navegantes, armados agora de bússolas, aventuraram-se na imensidão dos mares e conquistaram a ignorância do homem a respeito da Terra; observadores pacientes, armados de telescópios, aventuraram-se para além dos confins do dogma e conquistaram a ignorância do homem quanto ao céu. Aqui e ali, em universidades, mosteiros e retiros escondidos, homens deixaram de disputar e começaram a investigar; por via indireta, graças aos esforços no sentido de transformar metais inferiores em ouro, a alquimia foi transformada em química; da astrologia, os homens foram tateando com tímida ousadia para a astronomia; e das fábulas dos animais que falavam veio a ciência da zoologia. O despertar começou com Roger Bacon (m. 1294); aumentou com o ilimitado Leonardo (1452-1519); alcançou sua plenitude na astronomia de Copérnico (1473-1543) e Galileu (1564-1642), nas pesquisas de Gilbert (1544-1603) sobre magnetismo e eletricidade, de Vesálio (1514-1564) em anatomia, e de Harvey (1578-1657) sobre a circulação do sangue. À medida que aumentava o conhecimento, diminuía o medo; os homens pensavam menos em adorar o desconhecido, e mais em dominá-lo. Todo espírito vital foi estimulado por uma nova confiança; barreiras foram derrubadas; não havia limites, agora, para o que o homem poderia fazer. "O fato de pequenos navios, como os corpos celestes, navegarem à volta do mundo inteiro, é a felicidade da nossa era. Esta época pode usar, com toda justiça, plus ultra" (mais além) "onde os antigos usavam non plus ultra." Foi Francis Bacon, "a mais poderosa inteligência dos tempos modernos, que tocou a sineta que reuniu as inteligências" e anunciou que a Europa havia atingido a maioridade. Foi uma era de realizações, esperança e vigor; de novos começos e empreendimentos em todos os campos; era uma era que esperava por uma voz, uma alma sintética para resumir o seu espírito e decidir.
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