Clarice Lispector - Me entupo de ausências, me esvazio de excessos

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...Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania: depende de quando e como você me vê passar.
Eu acreditava em anjos. E, porque acreditava, eles existiam.
Perder-se também é caminho.
Já que se há de escrever, que, pelo menos, não se esmaguem - com palavras - as entrelinhas.

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.
Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra “amor”.

Há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor, que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.
Sempre conserve uma aspa à sua esquerda e outra à sua direita.
Que medo alegre o de te esperar!

Tenho medo de dizer quem sou: no momento em que tento falar, não exprimo o que sinto e o que sinto se transforma, lentamente, no que eu digo.
Quando se ama, não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.

Eu nem entendo mais aquilo que entendo. Pois, estou infinitamente maior do que eu mesma... então, não me alcanço.
Ouve-me. Ouve o meu silêncio.
O que falo nunca é o que falo e, sim, outra coisa.
Capta a “outra coisa” porque eu mesma não posso.

Você pode, até me empurrar de um penhasco... E daí? Eu adoro voar!
E ninguém é eu. E ninguém é você. Esta é a solidão.
Minha alma tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.
O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas, minhas tristezas, absolutas.

Me entupo de ausências, me esvazio de excessos.
Eu não caibo no estreito...
Eu só vivo nos extremos...

(Clarice Lispector)

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