FILOSOFIA MODERNA - EMPIRISMO - TOMAS HOBBES

Filho de clérigo, Tomás Hobbes nasceu em Westport, em 1588. Em 1608 sai da Universidade de Oxford e se torna preceptor do filho de Lord Cavendish. Durante toda sua vida, ele será o amigo devotado dos Stuarts. Antes mesmo da revolução de 1648, que vai suprimir o poder real, ele foge da Inglaterra, onde se sente ameaçado por causa de suas convicções monarquistas. Viajará por diversos países da Europa, notadamente pela Itália (encontrará Galileu em Florença) e sobretudo pela França (encontrará o padre Mersenne em Paris). Retornará à Inglaterra por ocasião da restauração de Carlos II em 1660.

Em 1642, ele publica em Paris o De Cive e, em 1651, faz publicar em Londres o Leviatã ou matéria, forma e autoridade de uma comunidade eclesiástica e civil. O Leviatã será traduzido para o latim em 1688, em Amsterdam, mas nunca foi integralmente traduzido para o francês.

Hobbes é um empirista inglês e nele encontramos os temas fundamentais que serão sempre os da escola. A origem de todo conhecimento é a sensação, princípio original do conhecimento dos próprios princípios: a imaginação é um agrupamento inédito de fragmentos de sensação e a memória nada mais é do que o reflexo de antigas sensações.

Todavia, Hobbes crê na possibilidade de uma lógica pura, de um raciocínio demonstrativo muito rigoroso. Ao lado de uma indução empírica aproximativa, que da experiência passada conclui, sem prova decisiva, o que se passará amanhã (e que não tem outro fundamento além da associação de idéias, the trayan of imagination), Hobbes admite a existência de uma lógica pura, perfeitamente racional. Mas a essa lógica só concernem símbolos, palavras (Hobbes é nominalista). Se definirmos rigorosamente as palavras e as regras do emprego dos signos, podemos chegar a conclusões rigorosas, isto é, idênticas aos princípios de que partimos. Mas trata-se de um jogo do pensamento, estranho às realidades concretas.

A filosofia de Hobbes é materialista e mecanicista. Assim como a percepção é explicada mecanicamente a partir das excitações transmitidas pelo cérebro, assim a moral se reduz ao interesse e à paixão. Na fonte de todos os nossos valores, há o que Hobbes denomina endeavour, em inglês, e conatus, em latim, isto é, o instinto de conservação ou, mais exatamente, de afirmação e de crescimento de si próprio; esforço próprio a todos os seres para unir-se ao que lhes agrada e fugir do que lhes desagrada (esse tema do conatus será reencontrado no spinozismo).

É partindo de tais fundamentos psicológicos que Hobbes elabora sua justificação do despotismo. O absolutismo da época de Hobbes geralmente se apóia na teologia (Deus teria investido os reis de seu poder absoluto). Hobbes, ao justificar o poder absoluto do soberano, descobre-lhe uma origem natural.

Para ele, o direito, em todos os casos, reduz-se à força; mas distingue dois momentos na história da humanidade: o estado natural e o estado político. No estado natural, o poder de cada um é medido por seu poder real; cada um tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos só pensam na própria conservação e nos interesses pessoais. Para Hobbes, o homem se distingue dos insetos sociais, como as abelhas e as formigas; por isso, o homem não possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só o será por acidente.

Para compreender como o homem se resolve a criar a instituição artificial do governo, basta descrever o que se passa no estado natural; o homem, por natureza, procura ultrapassar todos os seus semelhantes: ele não busca apenas a satisfação de suas necessidades naturais, mas sobretudo as alegrias da vaidade (pride). O maior sofrimento é ser desprezado. Assim sendo, o ofendido procura vingar-se, mas - observa Hobbes, antecipando aqui os temas hegelianos - comumente não deseja a morte de seu adversário e deseja seu cativeiro a fim de poder ler, em seu olhar atemorizado e submisso, o reconhecimento de sua própria superioridade.

É claro que esse estado, em que cada um procura senão a morte, ao menos a sujeição do outro, é um estado extremamente infeliz. As expressões pelas quais Hobbes o descreve são célebres: "Homo homini lupus", o homem é o lobo do homem; "Bellum omnium contra omnes", é a guerra de todos contra todos. Não pensemos que mesmo os homens mais robustos desfrutem tranqüilamente as vitórias que sua força lhe assegura. Aquele que possui grande força muscular não está ao abrigo da astúcia do mais fraco. Este último - por maquinação secreta ou a partir de hábeis alianças - sempre é o suficientemente forte para vencer o mais forte. Por conseguinte, ao invés de uma desigualdade, é uma espécie de igualdade dos homens no estado natural que faz sua infelicidade. Pois, em definitivo, ninguém está protegido; o estado natural é, para todos, um estado de insegurança e de angústia.

Assim sendo, o homem sempre tem medo de ser morto ou escravizado e esse temor, em última instância mais poderoso do que o orgulho, é a paixão que vai dar a palavra à razão. (Essa psicologia da vaidade e do medo é, em Hobbes, uma espécie de laicização da oposição teológica entre o orgulho espiritual e o temor a Deus ou humildade.) É o medo, portanto, que vai obrigar os homens a fundarem um estado social e a autoridade política.

Os homens, portanto, vão se encarregar de estabelecer a paz e a segurança. Só haverá paz concretizável se cada um renunciar ao direito absoluto que tem sobre todas as coisas. Isto só será possível se cada um abdicar de seus direitos absolutos em favor de um soberano que, ao herdar os direitos de todos, terá um poder absoluto. Não existe aí a intervenção de uma exigência moral. Simplesmente o medo é maior do que a vaidade e os homens concordam em transmitir todos os seus poderes a um soberano. Quanto a este último, notemo-lo bem, ele é o senhor absoluto desde então, mas não possui o menor compromisso em relação a seus súditos.

Seu direito não tem outro limite que seu poder e sua vontade. No estado de sociedade, como no de natureza, a força é a única medida do direito. No estado social, o monopólio da força pertence ao soberano. Houve, da parte de cada indivíduo, uma atemorizada renúncia do seu próprio poder. Mas não houve pacto nem contrato, o que houve, como diz Halbwachs, foi "uma alienação e não uma delegação de poderes". O efeito comum do poder consistirá, para todos, na segurança, uma vez que o soberano terá, de fato, o maior interesse em fazer reinar a ordem se quiser permanecer no poder.

Apesar de tudo, esse poder absoluto permanece um poder de fato que encontrará seus limites no dia em que os súditos preferirem morrer do que obedecer. Em todo caso, esta á a origem psicológica que Hobbes atribui ao poder despótico. Ele chama de Leviatã ao seu estado totalitário em lembrança de uma passagem da Bíblia (Jó XLI) em que tal palavra designa um animal monstruoso, cruel e invencível que é o rei dos orgulhosos.

Finalmente, o totalitarismo de Hobbes submete - apesar de prudentes reservas - o poder religioso ao poder político. Assim é que ele exclui o "papismo" e o "presbiterianismo" por causa "dessa autoridade que alguns concedem ao papa em reinos que não lhe pertencem ou que alguns bispos, em suas dioceses, querem usurpar".

O Estado Natural e o Pacto Social

Leviatã, 1.ª parte: Do Homem

Cap. XIII

... O Estado de natureza, essa guerra de todos contra todos tem por conseqüência o fato de nada ser injusto. As noções de certo e errado, de justiça e de injustiça não têm lugar nessa situação. Onde não há Poder comum, não há lei; onde não há lei, não há injustiça: força e astúcia são virtudes cardeais na guerra. Justiça e injustiça não pertencem à lista das faculdades naturais do Espírito ou do Corpo; pois, nesse caso, elas poderiam ser encontradas num homem que estivesse sozinho no mundo (como acontece com seus sentidos ou suas paixões). Na realidade, justiça e injustiça são qualidades relativas aos homens em sociedade, não ao homem solitário. A mesma situação de guerra não implica na existência da propriedade... nem na distinção entre o Meu e o Teu, mas apenas no fato de que a cada um pertence aquilo que for capaz de o guardar. Eis então, e por muito tempo, a triste condição em que o homem é colocado pela natureza com a possibilidade, é bem verdade, de sair dela, possibilidade que, por um lado, se apóia na Paixões e, por outro, em sua Razão. As paixões que inclinam o homem para a paz são o temor à morte violenta e o desejo de tudo o que é necessário a uma vida confortável... E a Razão sugere artigos de paz convenientes sobre os quais os homens podem ser levados a concordar.

Cap. XIV

... O direito natural que os escritores comumente chamam de Jus naturale é a Liberdade que tem cada um de se servir da própria força segundo sua vontade, para salvaguardar sua própria natureza, isto é, sua própria vida. E porque a condição humana é uma condição de guerra de cada um contra cada um... daí resulta que, nessa situação, cada um tem direito sobre todas as coisas, mesmo até o corpo dos outros... Enquanto dura esse direito natural de cada um sobre tudo e todos, não pode existir para nenhum homem (por mais forte ou astucioso que seja) a menor segurança...

Cap. XV

... Antes que se possa utilizar das palavras justo e injusto, é preciso que haja um Poder constrangedor; inicialmente, para forçar os homens a executar seus pactos pelo temor de uma punição maior do que o benefício que poderiam esperar se os violassem, em seguida, para garantir-lhes a propriedade do que adquirem por Contrato mútuo em substituição e no lugar do Direito universal que perdem. E não existe tal poder constrangedor antes da instituição de um Estado. É o que também resulta da definição que as Escolas dão geralmente da justiça, a saber, que a justiça é a vontade de atribuir a cada um o que lhe cabe pertencer; pois, quando nada é próprio, ou seja, quando não há propriedade, não há injustiça; e onde não há Poder Constrangedor estabelecido, em outras palavras, onde não há Estado, não há Propriedade e cada homem tem direito a todas as coisas. Por conseguinte, enquanto não há Estado, nada há que seja Injusto.


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