DIA DA JUVENTUDE - 22 DE SETEMBRO

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O Brasil possui uma bela história de luta de seus jovens. A década de 60, permeada do autoritarismo de plena ditadura miliar, foi ferreamente combatida por jovens idealistas. Manifestações, passeatas, protestos de todos os tipos invadiram o país. O musical Hair, a expressão máxima do ideal "paz e amor", chocaria os mais velhos ao mostrar atores nus. Ainda se teria muito que aprender com os jovens. A coragem e determinação sempre foram características da juventude: ela pode muito bem ser a solução para o Brasil.

No Brasil, o contingente jovem, de idade entre 15 e 24 anos, corresponde a 20,13% da população, porcentagem que na região sudeste chega a 39,6% (IBGE 2002). Neste capítulo, busca-se analisar quem são os jovens participantes do cenário religioso carismático e quais suas principais características, necessidades e perspectivas no mundo atual.

De início, pode-se afirmar que a maioria dos jovens participantes das igrejas e movimentos pentecostal e carismático advém das classes populares e enfrentam o problema do desemprego e da baixa escolaridade, além de possuírem um perfil de baixa ou nenhuma participação nos espaços da ação política. Nesse sentido, tomamos mão dos principais autores das ciências sociais que discutem o tema, além da atual e abrangente pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, elaborada pelo Projeto Juventude da Fundação Perseu Abramo2, para discutir os principais elementos presentes na realidade juvenil.

Parte-se da apresentação de um breve panorama histórico, de uma análise da relação juventude e religião, das dificuldades enfrentadas no campo da educação, trabalho e da política, finalizando com uma análise da perspectiva de futuro do jovem no Brasil

Juventude e história

As primeiras experiências de organização dos jovens no Brasil ocorreram sob a égide do movimento abolicionista no século XIX. Os jovens abolicionistas abriram as portas para a ação juvenil, tendo uma atuação radical em defesa dos escravos e organizando inclusive fugas em massa (CACCIA-BAVA, 2004). Nos anos 1920 três grandes movimentos de expressão da consciência política dos jovens foram inaugurados: o Movimento da Semana de Arte Moderna, o Movimento Tenentista e o Movimento político-partidário que deu origem ao PCB. Segundo Caccia-Bava (2004, p. 64) “Os grupos de jovens se formaram em torno desses movimentos e foram protagonistas de novas idéias, novas concepções de nação e de Estado”.

Dia da Juventude

Entre os anos 1930 e 1950 os jovens organizados possuíam como principal característica a solidariedade ao movimento classista. Havia também um protagonismo nos projetos unificadores da nacionalidade. Os principais movimentos de juventude desse período foram: juventude integralista, o início do movimento estudantil com a fundação da UNE e o movimento religioso em torno da Ação Católica.

Nos anos 1960 a juventude passou a se apresentar para a sociedade com maior ênfase por intermédio do movimento estudantil, com suas variadas tendências políticoideológicas, e da juventude católica, organizada na ACE3. Novaes (2000) afirma que esses jovens, principalmente organizados em entidades partidárias e sindicais, apresentavam-se na relação com a classe trabalhadora de forma igual e impessoal, apesar da grande heterogeneidade dos agrupamentos juvenis. Os jovens do movimento estudantil eram provenientes majoritariamente da classe média urbana e questionavam profundamente os valores da cultura e da política. Nesse contexto da década de 1960, a influência estudantil era hegemônica e levava para o seu interior grande parte dos agrupamentos juvenis existentes como, por exemplo, os jovens católicos da JUC.

Na década de 1970, em virtude da repressão da Ditadura Militar, há em seu início pouca movimentação da juventude. Prevalecia uma maior articulação no interior da IC a partir dos “Movimentos de Encontro” que possuíam cunho espiritualista e eram profundamente comprometidos com a resolução dos problemas psico-afetivo dos jovens. As outras juventudes que resistiram a esse processo, em sua maioria, atuavam nos movimentos clandestinos de luta armada e guerrilha.

Nos anos 1980 há o surgimento das tribos urbanas que são retratados por Abramo em seu livro Cenas Juvenis. A autora destaca o surgimento de agrupamentos de jovens presentes, principalmente, nas grandes cidades brasileiras como, por exemplo, os Punks e os Darks. Cardoso (1995, p. 26) afirma que nos anos 1980 houve um enfraquecimento do movimento estudantil, pois a “identidade estudantil não passa [va] mais pela política, como ocorreu nos anos 60 e 70”, havendo uma despolitização desse movimento a partir dessa década. Portanto, a partir dos anos 1980 há um distanciamento da militância tradicional: a referência não era mais o partido e o sindicato, mas o movimento social específico. Assim, nesse processo os jovens passam a assumir novas formas e perspectivas de participação social e política. Um exemplo desse processo é o nascimento do Movimento Cultural Hip-Hop e a militância da Pastoral da Juventude do Brasil.

Na conjuntura dos anos 1990, o perfil juvenil é, na perspectiva de Sousa (1999, p. 13), de uma “juventude que vive um tempo distante das grandes utopias transformadoras”. Os anos 1990 vêm comprovar a tese de que a juventude não é necessariamente portadora de utopias e projetos de transformação. Segundo Sousa (1999, p. 25), “Intenções, utopias, projetos, rebeldias, transgressões são elementos concretos nas relações vividas por essa faixa etária, mas, isolados como comportamentos próprios dos jovens, não são explicativos das relações que envolvem a juventude”.

As subjetividades e as condições sociais dos jovens dos anos 1990 estão marcadas por condições diversas e distanciadas dos métodos de realização das utopias revolucionárias. A preservação da individualidade enquanto controle social é vista como legítima. “Fazer política, para esses jovens, não pode ser um ato que abafe a individualidade, pelo contrário, o coletivo deve incorporar a forma de ser de cada um” (SOUSA, 1999, p. 194, grifo da autora).

Portanto, o jovem quer ser autônomo dentro do grupo e, ao mesmo tempo, vê o grupo como uma referência para o reconhecimento das idéias compartilhadas. A juventude dos anos 1990 é uma geração individualista: não “abre mão” dos seus desejos. Sendo assim, não “há causa coletiva que o arrebate para uma condição que tenha como limite rever sua autonomia individual” (SOUSA, 1999, p. 200).

Entretanto há de se destacar a presença dos “carapintadas”, protagonistas do movimento de impedimento do exercício da Presidência de Fernando Collor de Mello, e a juventude do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), considerado como um dos únicos movimentos sociais que resistiram ao estabelecimento do neoliberalismo no Brasil. Mas o que passa a predominar nesse período em termos de organização juvenil são os movimentos culturais articulados em torno da música, do teatro e da dança.

Cardoso (1995) insiste na idéia de que não devemos comparar os jovens dos anos 1960 e 1970 com os jovens dos anos 1980 e 1990. Isso porque ambas as juventudes possuem modos diferentes de participação nos espaços de sociabilidade. Por exemplo, na opinião de Novaes (2000, p. 54) “Os jovens, através de atividades culturais e experimentos sociais, podem trazer para a agenda pública a questão dos sentimentos e contribuir para a mudança de mentalidade”. Dessa forma, a autora vê como positiva a participação da juventude dos anos 1990 nos movimentos culturais e lúdicos. Para Sousa (1999, p. 14) “os conteúdos das ações coletivas dos jovens de hoje não significam nem retrocesso nem avanço, mas o que é possível historicamente sua geração ser portadora”.

Para entender as mudanças ocorridas no perfil da juventude nos últimos anos, é necessário compreender as mudanças da própria sociedade brasileira, principalmente no que tange a questão educacional, trabalhista e política. Parte-se do pressuposto que os espaços privilegiados pela juventude para participação na sociedade foram mudando conforme o desenvolvimento histórico, sendo que nos anos 1960 e 1970 havia o predomínio do sindicato e movimento estudantil, nos anos 1980 nos movimentos sociais e nos anos 1990 os jovens atuam de forma diluída e fragmentada nos movimentos culturais e lúdicos.

Os jovens dos anos 2000 são socializados principalmente nos movimentos religiosos4, principalmente os carismáticos e pentecostais, em sua manifestação mais recente chamada de “terceira onda”. É essa a idéia que buscaremos discutir agora no sentido de compreender a relação causal existente entre religião e juventude no Brasil.

Juventude e religião

Os jovens da atualidade mantêm as principais características dos jovens dos anos 1990. A novidade está na crescente adesão aos movimentos religiosos, principalmente às igrejas e correntes do pentecostalismo católico e evangélico. A religião se consolidou como uma das principais formas de organização grupal da juventude nos tempos atuais. Aproximadamente 20% dos participantes dos grupos de oração do movimento carismático católico e dos cultos das igrejas pentecostais são jovens (PRANDI, 1998, p. 164). Além disso, pesquisas recentes apontam que os jovens são organizados principalmente pelas instituições religiosas5. Esses números tornam necessário o estudo desse segmento juvenil em virtude das potencialidades de inserção das religiões nos espaços da sociedade.

Segundo a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, entre os cinco primeiros valores mais importantes para o jovem está o “Temor a Deus”. Os dados apontam em sua pergunta 12 – Pensando em uma sociedade ideal, qual destes valores você acha que seriam os cinco mais importantes? – para as seguintes respostas: “solidariedade” (55%), “respeito às diferenças” (50%), “igualdade de oportunidades” (46%), “temor a Deus” (44%), “justiça social” (41%), “dedicação ao trabalho” (37%), “respeito ao meio ambiente” (36%), “religiosidade” (29%), “liberdade individual” (27%). Outro ponto importante é que quando a opção é apenas de uma única resposta, “temor a Deus” aparece em primeiro lugar com 17% e religiosidade em quarto com 10% das respostas. Portanto, a pesquisa aponta para um significativo interesse dos jovens com relação ao religioso, propiciando em princípio grandes possibilidades de participação nas igrejas.

No entanto, apenas uma pequena parcela da juventude brasileira (15%) está organizada em alguma associação ou entidade. Porém, quando são estimuladas a escolher entre uma variedade de possibilidades, 17% diz que “faz parte” de “grupo religioso”. A confiança na “Igreja e padres católicos” e na “Igreja e pastores evangélicos” somam um percentual de 48% das respostas. Novaes (2005, p. 267, 270) destaca que os jovens evangélicos estão predominantemente entre os mais pobres e os jovens católicos, apesar de estarem em todas as classes sociais, também são mais numerosos entre os empobrecidos.

Os dados da pesquisa não apontam para uma participação específica em alguma tradição religiosa. Entretanto, Mariz (2005, p. 256) constata que há uma atração dos jovens por um tipo de opção religiosa mais radical no sentido de uma participação maior com o sobrenatural, oferecido pelas igrejas e movimentos pentecostal e carismático. Nessas igrejas “o jovem é concebido como alguém mais propenso a atitudes heróicas e a virtuosismos religiosos, que busca a santidade e também a revolução, e que morreria por uma causa” (MARIZ, 2005, p. 257). Assim, tem-se uma concepção romântica do jovem: a figura de um herói belo e corajoso.

A autora fala de uma afinidade eletiva entre o jovem e as “experiências radicais”. Por isso, a religião do tipo pentecostal de terceira onda e carismático seria uma experiência que responde a essa necessidade genuinamente juvenil. Ela dá como exemplo as “Comunidades de Vida no Espírito Santo” da RCC. Além disso, a inserção na igreja possibilita ao jovem romper com sua trajetória anterior marcada pelas limitações da sociedade moderna em relação aos processos de sociabilidade.

Em seus estudos sobre os jovens de comunidades de vida da RCC, Mariz (2005, p. 265-266) diz que

Essa opção de romper com a sociedade desviando-se de seus valores é claramente assumida pelos jovens com quem tivemos oportunidade de conversar. Essa ruptura é interpretada não como a passagem da vida juvenil/infantil para a idade adulta, mas como a ruptura com uma vida pregressa impregnada de valores mundanos que agora condenam.

A autora apresenta essas experiências religiosas como uma forma de superação de tensões presentes na vida do jovem. Há um relaxamento e uma sensação de força e poder que antes não eram encontrados na vida social. Nesse sentido, ela defende a tese da existência de uma subjetividade juvenil funcionalmente religiosa.

A subjetividade juvenil teria assim uma afinidade eletiva com experiências coletivistas e comunitárias, entendidas por Durkheim (1985) como funcionalmente ‘religiosas’. Devido a esse tipo de afinidade, os jovens seriam os mais aptos a tomar atitudes de heroísmo extremo, a ser revolucionários ou virtuoses religiosos, ou a se engajar em violência radical, optando por vezes pelo que Durkheim chamou de ‘suicídio altruísta’ (MARIZ, 2005, p. 269).

Portanto, essa subjetividade juvenil não necessariamente religiosa (mas funcionalmente religiosa) possibilita às religiões se tornarem nos dias atuais uma das principais formas de socialização do jovem na sociedade. Essa tendência é favorecida pela crise social enfrentada pela sociedade brasileira e pode ser entendida principalmente no que tange o aspecto educacional, trabalhista e político da juventude.

Juventude, educação e trabalho

Os temas da educação e trabalho são os assuntos que mais interessam aos jovens nos dias atuais. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo aponta que respectivamente 38% e 37% dos jovens entrevistados têm preocupação com essas duas questões. No caso do trabalho, tal interesse se dá principalmente pela falta de emprego e a necessidade de inserção no mercado formal. Como afirma Guimarães (2005, p. 159) “o sentido do trabalho seria antes o de uma demanda a satisfazer que o de um valor a cultivar”. A pesquisa aponta para um percentual de 64% de jovens desempregados no Brasil, sendo que dos 36% que estão trabalhando 63% pertencem ao mercado informal (os assalariados na cidade sem registros são 37% desse montante). Perguntado sobre quais os principais problemas do país, os jovens apontam em 1° lugar o desemprego com 30% das respostas. Eles também entendem que para melhorar de vida vão precisar encontrar emprego. Dessa forma, o trabalho se apresenta como questão primordial para os jovens brasileiros dos anos 2000.


Uma análise histórica das políticas sociais no Brasil mostra seu caráter fragmentário e centrado na vinculação do individuo ao mundo do trabalho, sendo que os jovens sempre estiveram marginalizados nas redes de proteção social. Assim, o Estado age a partir de interesses particulares de distintos grupos e segmentos sociais (crianças, gestantes, idosos, portadores de necessidades especiais etc) em detrimento de um sistema de proteção social universal e igualitário (COHN, 2004). Como o jovem enfrenta cada vez mais dificuldades para encontrar um emprego, não há lugar para ele no sistema de proteção social que tem sua matriz no trabalhador assalariado do mercado formal de trabalho.

Além disso, Cohn (2004, p. 169) afirma que

Embora o modelo de Estado desenvolvimentista tenha se esgotado já nos anos 1980, ainda permanece na atualidade a concepção de que gastos na área social são incompatíveis com o projeto econômico vigente, de que a alocação de recursos na área social corresponde a gastos sociais, e não a investimentos sociais, já que a ação do Estado na área social cada vez mais se desloca do mundo do trabalho como possibilidade de inserção social dos indivíduos.

Dessa forma, além das dificuldades especificas que a juventude enfrenta, há uma política global que não viabiliza o aumento dos gastos com ações de inclusão social no Brasil, gerando um cenário de falta de trabalho e de educação precária para a maioria da juventude, principalmente para os pertencentes às classes populares.

Para Frigotto (2004, p. 194) “O tema do trabalho e da educação dos jovens é fecundo para elucidar a contradição inerente ao sistema capitalista, entre a igualdade formal e a necessidade da desigualdade real entre proprietários dos meios de produção e trabalhadores que vendem sua força de trabalho”. Frigotto (2004, p. 195) afirma que a escola historicamente teve dois objetivos: 1) espaço de incorporação de valores, conhecimento e amadurecimento para a vida adulta; 2) espaço para a disciplina do trabalho precoce e precário. Os jovens das classes dominantes participam do primeiro tipo de escola, enquanto que para os jovens das classes populares fica a educação para o trabalho. Entretanto, importante ressaltar que para ambas as classes a juventude é uma fase da vida em que se busca, entre outras coisas, a autonomia. Corresponde à fase de construção da identidade em que a escola é um espaço formativo: um espaço de interação e ampliação das experiências vividas na família – espaço construção da identidade.

A pesquisa “Perfil da juventude brasileira” aponta para um significativo crescimento do acesso à escola nos últimos anos. Todavia, esse crescimento não foi acompanhado pelo aumento dos recursos para educação7. Os dados indicam que 63% dos jovens estão estudando, porém, há uma crise da instituição escolar, com uma precariedade do nível de ensino e com uma situação de grande dificuldade enfrentada pelos jovens para assimilar os conteúdos escolares (SPOSITO, 2005, p. 113). Isso comprova a situação de inadequação do sistema educacional brasileiro que tem como conseqüência o problema da não conclusão do ensino médio pela maioria dos jovens.

Para explicar a crise do sistema educacional e o “fracasso escolar” no ensino público, recorre-se historicamente a duas posições: a) a tese do capital cultural: afirma-se que no seio da família dos setores populares há uma frágil incorporação dos valores atribuídos à escolaridade; b) os aspectos estruturais: afirma-se também que a crise social obriga o jovem a entrar cada vez mais cedo no mercado de trabalho que o distancia da escola (CNPD, 1998, p. 446-447). As condições de vida e os problemas sócio-culturais podem interferir no desempenho escolar do jovem, principalmente aqueles oriundos das classes populares. Todavia, esses elementos não explicam o fracasso do sistema de ensino público no Brasil. Entende-se que o fator predominante do fracasso se encontra no interior da própria escola pública. Se os estudantes apresentam problemas externos, oriundas da situação sócio-econômica e cultural da família, há na escola a existência predominante de um perfil pedagógico muito pouco atraente para a maioria dos jovens. Estudos da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento, órgão do Governo Federal, apontam que “mais de 80% das crianças que deixaram a escola o fizeram por algum tipo de conflito e rejeição referidos à escola”. O trabalho pode distanciar o jovem da educação, a cultura familiar de pouca valorização dos estudos também pode ser um elemento que ajuda a explicar a crise do sistema educacional. Mas a idéia de uma escola que “forma para o trabalho”, predominantemente presente na escola pública no qual é freqüentada por uma maioria de jovens empobrecidos, não atrai a juventude e se constitui no principal fator da evasão escolar no Brasil.

Como já foi apresentado acima, o trabalho não se apresenta como um valor a ser cultivado pelo jovem hoje e sim como uma necessidade a ser alcançada. “Os jovens, pobres e ricos, desejam uma escola onde consigam aprender, mas que também seja um espaço agradável, onde possa encontrar amigos, ouvir música e namorar. É preciso, cada vez mais, que a equipe escolar procure conhecer sua clientela, construindo um ambiente adequado às suas características e interesses” (CNPD, 1998, p. 454). Esse ambiente dificilmente é encontrado na escola pública que deixa de ser atraente para o jovem hoje.

Apesar da situação descrita acima, em sua análise do tema juventude e educação, Sposito (2005, p. 124) conclui que os jovens “Depositam confiança na escola, em relação ao projeto futuro, mas as relações são mais difíceis e tensas com o tempo presente, na crise da mobilidade social via escola. Configura-se, desse modo, uma ambigüidade caracterizada pela valorização do estudo como uma promessa futura e uma possível falta de sentido que encontram no presente”. Significa que apesar da ampliação do acesso à educação no Brasil, há uma precariedade na sua qualidade e uma ineficiência de seu papel principal (visto na ótica do jovem), o acesso ao trabalho. Isso ocorre em virtude da crise atual e a existência de um padrão de crescimento econômico desfavorável à geração de novos postos de trabalho e oportunidades profissionais em geral.

A educação pública se torna desinteressante por insistir apenas na idéia da “educação para o trabalho”. Ao não existir trabalho para os jovens, não há também interesse na escola. Nesse sentido, a dificuldade da ascensão social e até mesmo da inclusão profissional via instituição educacional apresenta-se como uns dos pilares da falta de perspectiva de futuro dos jovens. Entretanto, antes de adentrarmos nesse tema, é necessário entender a questão da participação política (ou não) da juventude brasileira nos anos 2000.

Juventude e política

A política aparece aos olhos da maioria da população como “algo que não leva a lugar nenhum”. Na opinião de Ribeiro (2004, p. 22), isso ocorre pelo fato de que os regimes eleitos no Brasil nos últimos 20 anos não têm conseguido responder aos “reclamos sociais”. O advento da democracia como uma conquista política vista na perspectiva de resolver os problemas sociais, fracassou em seus objetivos. Esse cenário “repercute na imagem popular da política e do político, freqüentemente negativa”.

Inserida nessa situação, a juventude vem sendo ao longo do século XX disputada por duas importantes forças mais ou menos antagônicas: a revolução e a publicidade. Em Ribeiro (2004, p. 25) constata-se que nos dias atuais há uma composição entre essas duas forças, ou seja, se na teoria elas se opõem, na prática são vivenciadas pelos jovens conjuntamente. Entretanto, o autor afirma que a política é uma área na qual a juventude não deposita mais suas energias.

Hoje a participação política dos jovens não chama a atenção como no passado. Falando-se dos jovens de 1968 ou de 1984, a primeira imagem que virá (ou que vinha) ao espírito é a das passeatas na rua; a maior parte deles podia ter outros sonhos, mas a imagem é essa – que não é a que se tem dos jovens atuais, quando a ênfase parece estar em outras relações, mais grupais, menos totalizáveis, de vínculos que vão e vêm, de experiências (RIBEIRO, 2004, p. 32).

Todavia, a partir da análise do posicionamento do jovem no espectro político, Singer (2005) aponta para certo engajamento nos anos 2000. Com os dados da Pesquisa da Fundação Perseu Abramo, averigua-se que apenas 17% dos jovens não sabem se posicionar politicamente diante da realidade. Os outros 83% se declaram de direita, esquerda, centro etc. Todavia, o autor conclui que “A juventude deseja ajudar o mundo a mudar e pensa em fazê-lo menos mediante a militância política do que pela ação direta. Mas a maior parte dela, antes de poder contribuir para a mudança, tem de ser ajudada” (SINGER, 2005, p. 35). Dessa forma, o fator principal para a não participação política é apontado como a falta de bases materiais mínimas de sobrevivência. A destituição do político por parte da juventude é o produto de um Estado que historicamente se exime da distribuição dos bens sociais.

Alguns dados da pesquisa Perfil da Juventude são importantes para entender essa situação. Questionados sobre a intenção de desenvolver trabalho social (ou negócio) no bairro, 78% diz que “nunca pensou” ou “pensou, mas desistiu” em fazer algo. Acerca da perspectiva de influência na política, 55% afirma “não influir”, demonstrando um sentimento pessoal de pouca possibilidade real de produzir mudanças com sua ação. Outro dado significativo: 85% declaram não participar de grupo de jovens de qualquer espécie. Portanto, a grande maioria dos jovens no Brasil se encontra desorganizada, sendo que dos 15% que participam de alguma organização juvenil, em 1° lugar aparece a igreja com 4% e em 2°, 3° e 4° as organizações artísticas, com 3% para a música, 2% para a dança e 2% para o teatro. Na atual conjuntura, a religião e o movimento cultural se configuram como os principais meios de organização do jovem na sociedade. Detalhe: movimento estudantil, partidos políticos e movimentos sociais não chegam a pontuar na pesquisa.

Entretanto, importante ressaltar que 54% dos jovens consideram a política “muito importante” e 33% “mais ou menos importante”, o que nos leva a considerar a tese de Singer como verdadeira: há interesse pela participação, mas não existem condições materiais para tal. Além disso, 52% responderam que “O socialismo continua sendo uma alternativa para resolver os problemas sociais”. Porém, apesar de 47% acharem “muito importante” a existência dos partidos para o país, apenas 3% “confiam totalmente” nessa instituição que seria (talvez) o principal instrumento para viabilização de uma transformação social.

Por fim, é importante ressaltar os perigos que o distanciamento da política pode trazer para o cenário nacional. Benevides (2004, p. 51) defende a tese de que “O resultado da apatia pode ser uma atitude na vida social que é o oposto de qualquer idéia de cidadania democrática, que é o das estratégias individuais, do ‘salve-se quem puder’, excluindo qualquer possibilidade de ação coletiva, de solidariedade”. No objetivo de compreender melhor essa situação e diante de um cenário de não participação em virtude da descrença no universo político e da falta de condições reais de ação, é necessário discutir como o jovem vê seu futuro na sociedade.

Juventude e perspectiva de futuro

Para entender como o jovem compreende o seu futuro é necessário localizar a conjuntura histórica no qual vive: crise social, desmonte de políticas sociais básicas, desemprego, violência etc.

O Brasil chegou ao terceiro milênio carregando uma enorme dívida social. Nosso país ainda não se revelou capaz de satisfazer necessidades básicas de milhões de cidadãos. Alimentação, saúde, moradia, educação, segurança e trabalho estão entre os bens existenciais fundamentais que são sonegados ou negados a imensos contingentes de excluídos (ABRAMO, 2005, p.10).

O Brasil chegou ao terceiro milênio carregando uma enorme dívida social. Nosso país ainda não se revelou capaz de satisfazer necessidades básicas de milhões de cidadãos. Alimentação, saúde, moradia, educação, segurança e trabalho estão entre os bens existenciais fundamentais que são sonegados ou negados a imensos contingentes de excluídos (ABRAMO, 2005, p.10).

construção, experimentação e a afirmação da própria identidade. Enfim, o jovem dos anos 2000 projeto seu futuro sob o signo do risco.

Mendola (2005, p. 81-82) apresenta uma caracterização no que se refere ao enfrentamento do risco na atualidade entre jovens de diferentes segmentos sociais. Ele distingue três grupos: a) “os ainda não incluídos”: são os jovens inseridos no modelo burguês de transição para a vida adulta no qual há um treinamento predatório e um estímulo para ocupação de posições de poder; b) “aqueles nas fronteiras”: são os jovens com expectativa de mobilidade social, mas sem condições reais de ascensão; c) “os excluídos”: são os jovens que estão completamente excluídos dos trajetos institucionais de transição para a vida adulta.

A crise que perpassa a sociedade moderna, em seus mais variados aspectos, coloca em foco novos elementos para a caracterização da “dimensão de futuro”. O horizonte temporal vem sendo cada vez mais comprimido com o esvaziamento do tempo futuro como um espaço propício para a construção de um “projeto de vida”. Essas transformações são sentidas principalmente nas vivências da juventude contemporânea, já que a noção de juventude como um momento de transição para a vida adulta está se esvaziando.

Leccardi (2005, p. 43) constrói a idéia de “futuro indeterminado e indeterminável”, noção cada vez mais presente nos dias atuais. “Nesse, há cada vez menos espaços para dimensões como segurança, controle, certeza [...]”. A autora apresenta uma nova noção que substitui a idéia “pouco funcional” de futuro: trata-se do termo “presente estendido”. Significa que o tempo se apresenta de forma fragmentada e a possibilidade de desenvolvimento de projetos se encontra esgotada na modernidade.


Nesse processo, a idéia de “experimentação” ganha força e substitui a perspectiva do presente como cenário de construção de uma vida futura estável. No espaço juvenil, essa idéia ganha força e o presente estendido torna-se o futuro imediato para vivencia plena da vida a partir dos impulsos do sentimento. Dessa forma, assiste-se ao esgotamento da perspectiva do futuro como espaço para definição do sujeito. O que vale é o “aqui e agora”, havendo uma supervalorização dos sentidos.

Significa que para o jovem percorrer as etapas naturais para a condição adulta – conclusão dos estudos, inserção no mundo do trabalho, saída da casa dos pais, construção de um núcleo familiar, geração de filhos – estão sendo dificultados. Assim, o prolongamento da fase juvenil se constitui em um aspecto importante em sua caracterização. Além disso, Leccardi (2005, 49) chama a atenção para “o desaparecimento da possibilidade de ancorar as experiências que os jovens realizam [...] no mundo das instituições sociais e políticas”.

“Para o jovem, no centro dessa crise está a separação entre trajetórias de vida, papéis sociais e vínculos com o universo das instituições capazes de conferir uma forma estável à identidade”. (LECCARDI, 2005, p. 49). Assim, o jovem se encontra destituído de espaços de sociabilidade e possibilidades de inserção social. “A maior parte dos jovens, moços e moças, em resposta às condições sociais de grande insegurança e de risco, encontra refúgio sobretudo em projetos de curto ou curtíssimo prazo, que assumem o ‘presente estendido’ como área temporal de referência” (LECCARDI, 2005, p. 52).

Em contrapartida, Abramo (2005) constata que os jovens estão chegando à vida adulta sem passar pelos estágios fundamentais estabelecidos no processo de transição (que se encontra prolongado nos dias atuais): formação escolar, profissionalização, entrada no mercado de trabalho. Ao ser forçado a pular etapas em virtude da crise social, o jovem assume responsabilidades da vida adulta, casamento e filhos, prejudicando-se na continuidade de sua formação educacional. Conseqüentemente tem dificuldades em encontrar emprego8. O prolongamento da vida juvenil se configura num aspecto importante e contraditório da crise social, no qual o jovem assume responsabilidades de adulto, mas mantém sua dependência da estrutura dos pais em virtude das dificuldades financeira. Abramo (2005, p. 60) fala inclusive de “um novo modelo cultural de transição para a vida adulta”, em que o fim da juventude não implica necessariamente independência financeira em relação aos pais. Há, portanto, um processo contraditório no cenário juvenil atual que passa pelo prolongamento e encurtamento da passagem da vida juvenil para adulta. O individuo prolonga sua permanência nessa faixa etária na medida em que se mantém dependente dos pais, todavia, pula etapas ao gerar filhos e assumir o casamento sem conquistar sua autonomia financeira.

Augusto (2005, p. 24) argumenta que “o futuro possível [do jovem] depende dos processos em curso na sociedade inclusiva e da posição ocupada pelo jovem na família”. Na opinião da autora, a perspectiva de futuro do jovem fica cada vez mais nebulosa diante de uma sociedade permeada de indeterminações e de insegurança nos mais diferenciados níveis da vida.

O comportamento juvenil da atualidade é, então, compreendido como a busca continuamente reiniciada pela vivência do presente – percebido como tempo de flexibilidade e de mobilidade, de ausência de compromisso, em que o lazer e a aventura têm um papel predominante e a possibilidade da emergência de perspectivas e dimensões novas para a existência é sempre valorizada (AUGUSTO, 2005, p. 28-29).

A demanda principal do jovem é o seu processo de inserção na sociedade. O problema é que essa sociedade vive um profundo problema de exclusão. Diante de uma situação de crise, a busca do religioso se configura numa tentativa de reconquistar o futuro como espaço de estabilidade social. Como afirma Novaes (2005, p. 282), na análise do tema juventude e religião é fundamental que se insiram os elementos da insegurança e dificuldades de inserção social presentes na Brasil. Para a autora, o futuro é olhado pelos jovens na ótica do medo. O caminho percorrido nesse processo se dá a partir da crise educacional, da falta de trabalho formal, da não participação política e da falta de perspectiva de futuro. Isso leva preponderantemente às drogas, ao alcoolismo, à prostituição. Nessa situação a igreja passa a ser um ambiente de reencontro com a identidade e de resgate do projeto de vida.

Assim, a busca do projeto de vida passa a ser ancorada no religioso, tornando-se parte de um projeto divino. A alternativa para um futuro sem projetos, para uma parte considerável dos jovens, é a possibilidade de sua realização numa outra vida, no além. Entretanto, a idéia de realização instantânea, diante de uma possibilidade de inclusão por meio do sagrado, torna as igrejas pentecostais e o movimento carismático espaços potenciais de presença dos jovens, principalmente aqueles que possuem poucos recursos sociais, culturais e econômicos para superar a crise de futuro que se apresenta na sociedade atual.

Considerações gerais

A análise apresentada neste artigo possibilita a compreensão da relação de causalidade que há entre a realidade social da juventude brasileira e sua adesão às igrejas e correntes do pentecostalismo. O panorama histórico apresentado, apesar de breve, mostra as afinidades de organização presentes nas diversas juventudes nos diferentes momentos históricos. A questão da religião aparece neste capítulo para descrever as afinidades eletivas existentes entre as características da juventude contemporânea e as igrejas de conteúdos predominantemente magicizados. A atual situação da educação e do trabalho traça um panorama de dificuldades sociais enfrentadas pelos jovens no país e desemboca na questão do distanciamento da ação política tradicional. Por fim, a análise da perspectiva de futuro do jovem nos coloca a questão da necessidade de uma compreensão mais aprofundada da realidade juvenil no Brasil e aponta para a instituição religiosa como um importante foco de atração dos jovens.

Além disso, o processo analisado aqui traz à luz a questão dos motivos que levaram os jovens a mudarem seu perfil de organização. Em relação à IC, por exemplo, é preciso entender os motivos que levaram os jovens católicos, que nos anos 1980 participavam ativamente das pastorais sociais e da juventude ligados à Teologia da Libertação, nos dias atuais aderir em massa aos grupos de oração, comunidades de vida e aliança do movimento carismático católico. Uma das respostas seria afirmar que nos anos 1970 e 1980 predominavam os movimentos sociais como referência para grande parte da juventude organizada. Nesse período as pastorais da juventude tinham uma identificação e uma organização muito vinculada aos principais setores sociais da esquerda brasileira. Nos anos 1990 e 2000 há um predomínio dos movimentos comunitários cuja característica principal, segundo Aubrée (1996, p. 77), é “a afirmação pública de um conjunto de valores referentes a uma identidade particular e não mais a cidadania enquanto afirmação de direitos civis para todos”, predominante dos movimentos sociais.

Nesse sentido, segundo Aubrée (1996, p. 78), é “sobretudo no campo religioso que se deu a maior expressão desses ‘movimentos comunitários’ que, em muito diferem dos ‘movimentos sociais’”. Essa mudança de contexto influenciou no método e nas opções de organização dos jovens católicos que passaram de uma organização predominantemente política, preocupada com a questão da cidadania (CEB’s e pastorais, por exemplo) para uma organização comunitária voltada para a identidade e vida pessoal, presentes nas comunidades de vida e aliança e grupos de oração do movimento carismático católico.

Por fim, importante ressaltar que a busca do religioso na vida juvenil está diretamente relacionada com a busca da autonomia, com a construção da identidade parental (conflito familiar) e social (conflito com o mundo), além do desejo de experimentação de novas sensações e de novas experiências.

(RIBEIRO, Renato J. (2004) Política e juventude: o que fica da energia. In NOVAES, Regina R. (org) Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação- São Paulo: Fundação Perseu Abramo)


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